segunda-feira, 15 de setembro de 2014

desexistência


Andando pelas ruas, os olhos das gentes não olhavam mais os seus.
Nem lhe fitavam o andar ou se assombravam com suas cicatrizes ou com seus cabelos despenteados deixados livres por tempo demais.
Não lhe retribuíam sorrisos ou lhe faziam gracejos ou lhe reconheciam as doçuras.
Estando entre seus pares não lhes causava mais encanto, ou desejo, ou vontade, ou saudade, ou espanto.
Seguindo seus caminhos vivia, sentia e contemplava o mundo e os dias sem ter público para suas canções, ou devaneios, ou receios, ou sentimentalidades.
Seu mundo tornou-se estranho.
Solitário.
Doce.
Melancólico.
Duro.
Complicado.
Calmo.
Confuso.
Não sentia mais as gentes, nem seus tormentos, nem sua afabilidade.
Não vivia mais os pares, nem os tocava o corpo, nem lhes sentia os afetos.
Não coloria mais os caminhos, nem os contemplava.
Deixou de ver o mundo, ao se perceber invisível.
E desexistiu.




sexta-feira, 29 de agosto de 2014

aridez



Abandono     Alienação     Amargura     Aridez     Barulho     Consumo     Contas     Desamparo     Desassossego     Descaso     Desencanto     Dinheiro     Erro     Falta     Fome     Frio     Gente     Gritos     Guerra     Ilusão     Indiferença     Inquietude     Medo     Mentira     Moral     Negligência     Notícia     Política     Pressa     Privação     Rigidez     Sequidão     Solidão     Sono      Susto     Tempo     Trabalho     Transtorno     Tristeza     Urgência     Vazio     Velocidade     Violência...


Existência.


E esse silêncio que se faz por dentro quando a vida lhe é apresentada pura e árida garganta abaixo mata aquilo que vive com raiz rasa e terra podre. O mundo é seco demais para plantio despretensioso, esperança verde e sorrisos simples em dias de sol.



sexta-feira, 16 de maio de 2014

aquieta


Aquieta o coração menina.
Que a vida pode ser suave e as companhias acolhedoras.
Aquieta o coração menina.
Que o medo a gente sempre acaba carregando no peito quando esse peito anda cheio de sustos.
Aquieta o coração menina.
Que o sorriso do outro é assim tão bonito porque são seus olhos que o enxergam com ternura.
Aquieta o coração menina.
Que solidão é coisa de gente e gente que somos temos sempre a  chance de recolorir o cinza que por ventura nos rodeie.
Aquieta o coração menina.
Que esse amor que lhe ensinaram na vida combina mais com os filmes, livros e devaneios que você tanto preza.
Aquieta o coração menina.
Que ninguém chega a lugar algum vestida de pressa e sem colocar um passo após o outro.
Aquieta o coração menina.
E chora feito chuva que cai no meio de tarde quente, limpando e nutrindo de frescor os seus dias de incerteza.
Aquieta.
Aquieta esse coração menina.

E se lembre que o mais bonito e doce que carrega são seus sonhos e eles precisam da sua quietude para que possam ser.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

eu sei, mas falta


Eu sei das mil coisas que você tem que fazer
Eu seu dos outros mil planos de vida
Eu sei dos medos calados
Eu sei da vontade de correr o mundo e trancar-se em si mesmo
Eu sei da confusão
Eu sei da vontade de viver de tudo
Eu sei do impulso de mandar o mundo às favas, à merda
Eu sei das forças e fraquezas
Dos pensamentos, dos sabores, dos tragos
Mas queria saber mais dos suspiros e menos das dores
E queria reavivar seu cheiro na minha pele
E queria me cegar de novo pelo brilho dos seus olhos

E sei da falta, da enorme falta sua.