quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

seu colo agora

E se eu tivesse seu colo agora.
Me aninharia por cinco minutos inteiros.
Te agradeceria por todos os segundos.
E lhe maldizeria pelo resto da vida.
Por me privar do seu cheiro.
Por me fazer acreditar tanto nos dias.
Por me permitir desejar horas melhores.
Se eu tivesse seu colo agora.
Essa TV estaria calada.
Meus olhos estariam fechados.
A contagem das horas seria menos sofrida.
Se eu tivesse seu colo agora.
A madrugada seria pequena.
Seria eterna.

das cinzas


Ele não enxergava mais as rotinas.
Não via as regras.
Nem ouvia os conselhos, nem os provérbio populares.
Não mais se lembrava desses ditos.
Seu coração tinha muito mais em que pensar.
De tão assustado, já não se deixava perceber o outro.
Conhecia os desejos do mundo, os anseios da alma.
Conhecia as ofertas dos dias e as saudades das horas.
Mas seus últimos tempos lhe pareciam injustos.
Passara eras inteiras em tempestades, dias inteiros de tormentas.
Desaprendeu a ganhar presentes do acaso e dos deuses.
Há muito não reconhecia mais os sorrisos.
Nem compreendia as artimanhas do humano.
Mas com passos curtos levava um sorriso simples.
E seguia.
Numa tarde azul com aroma de dia qualquer, foi tocado diferente.
Encontrou-se frente a frente com a feição da esperança.
E encantou-se com seu cheiro.
Com o gosto de vida que seus suspiros ainda melancólicos por tanto tempo lhe ocultaram.
E amou.
Amou como se não houvesse prazo.
Nem dias, nem sol e nem lua.
Se entorpeceu como se nem fosse mais corpo.
Transformara-se em sopro divino.
Gargalhou como se não adorasse mais o silêncio.
Voltou a viver.
Como se outrora não tivessem lhe matado os afetos.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

trago notícias


Quero lhe dizer dos meus dias que andam tão sem graça e tão doces ao mesmo tempo.
Quero lhe contar dos meus tropeços, que têm me enchido de gargalhadas.
Quero lhe lembrar dos velhos planos.
Lembra como a gente cresceu com eles?
E se esqueceu deles?
Quero lhe mostrar o meu sorriso.
A minha face nova desenhada pelo tempo.
E que combina tanto com o que sou por dentro.
Quero lhe gritar minhas ideias,
Não sobre o mundo, as coisas, a dureza, as misérias.
Quero apenas divagar sobre a simplicidade do caminho.
Que cada um segue por gosto e escolha.
Quero lhe apresentar minha versão do mundo.
E ouvir calmamente o seu cansaço.
E contigo dar um longo suspiro no fim do dia.
Feliz.

sábado, 12 de junho de 2010

esperança

abandono7gn
E entre tudo o que é na Terra
Há de existir algo mais belo
Que a vaga lembrança do existir.
Há de existir dias com pressa
E sem relógio.
Dias de lágrimas.
Sem dor.
Dias de sol.
Sem calor.
Há de existir caminhos com tropeços.
Sem embaraços.
Há de existir sua figura.
Sem a poeira do tempo.

domingo, 23 de maio de 2010

prefiro sozinha


Desisto.
Escolho o silêncio.
Tapo os ouvidos.
Fico com minhas ruminações.
Essa porta escancarada trazia brisa gelada.
Mas também poeira demais.
Me deixava alérgica.
Em asfixia.
Saio dos ruídos.
Nem me interessam os sussurros.
Entre a violência do mundo e a minha.
Ainda prefiro meus demônios.


sexta-feira, 7 de maio de 2010

você em mim



O que  seus olhos me trazem é pleno, é único.
Sua contemplação dos meus devaneios me inspira.
Me aquece.
Me incita as elucubrações no meio da correria urbana.
Me leva de volta ao mundo que é só meu.
Mas que lhe cabe.
O que a sua voz me oferece é calma.
É quietude paradoxal que me desacelera.
Mas que me desperta a efervescência das ideias.
É serenidade possível.
É desconforto que me acende a alma.
O que seu cheiro me permite é fantasia.
É retorno à brisa não transitória no corpo.
É sonho.
É saudade.
O que sua presença me doa é ternura.
Transcende o encontro.
Me cobre de afeto.
Me impulsiona os suspiros.
E me coroa as certezas de tudo o que sou.
E de tudo o que desejo.

sábado, 1 de maio de 2010

depois da peça


Encerrado o espetáculo é hora de recolher o cenário, as roupas e os restos.
Fui protagonista esvoaçante,agora tenho os braços repletos de coisas.
Os ombros cheios de sonhos e pedaços.
Pedaços de outros,pedaços meus.
A casa que outrora fervilhava de vida se acalma, se aquieta.
O silêncio nem incomoda, não é mais retrato do vazio.
É intenso e carrega consigo os sorrisos perdidos.
As palavras de paixão.
As lágrimas de entendimento.
Os suspiros de pura verdade.
O silêncio alucina.
Torna denso o espaço oco e me permite seu cheiro e meu desejo.
Retiro as sobras.
Apanho as migalhas de afeto misturadas aos rastros concretos do mundo.
Deixo a casa pronta pruma nova estréia.
Deixo a casa vazia dos lixos.
E ainda impregnada de vida.

terça-feira, 13 de abril de 2010

pela metade


Levanto pela manhã com a certeza de que preciso de mais um dia inteiro de cama macia, travesseiros enroscados e despertador estragado.
Não é mau humor ou tristeza. Ou melancolia ou angústia.
É cansaço. Preciso de férias.
Preciso de férias de mim mesma e das minhas idéias.
Preciso dum dia de inverno com vento cortante que bate na face, um cappuccino com chocolate, um cigarro e uma leitura instigante.
E no meio duma tarde inteira, me prender aos devaneios poéticos dum escritor qualquer que me fale à alma e me faça não lembrar do fogo interno que me corrói as entranhas e não me deixa tranquila.
E me perder autisticamente num colo imaginário de amor e cumplicidade incondicionais que me façam sentir viva sem me sentir em brasa.
Simplesmente porque estou cansada dessa velha história de se discutir se o copo está meio cheio ou meio vazio. De que me importam as perspectivas?
O copo está pela metade.
E nunca soube realmente viver pela metade.

terça-feira, 6 de abril de 2010

alívio e dor

alivio
E aquele aperto no peito de vontade de te ver tem agora outro nome. Não é mais espera.
E aquela fala desenfreada que preenchia o tempo antes da sua chegada, subitamente se calou.
E aquele calor que me acendia o peito em brasa, hoje é frio e me rasga a carne.
E aqueles sorrisos de moleca que eu permitia saltar dos lábios, amarelaram-se.
E aquela certeza que me guiava os dias me abandonou pelo caminho.
E aquela sensação de poder ganhar o mundo evaporou-se em meio aos fatos.
E aquele desejo de pular de pára-quedas virou medo de não sobreviver ao baque.
E aquelas lágrimas de contentamento apenas me deixam nebulosos os olhos.
E aqueles planos que me enfeitavam os tempos me torturam a alma.
E aquele colo que me serenava a loucura agora simplesmente me enlouquece.
Hoje, desvendados os olhos, posso ver o mundo sem as cores que iludem e distorcem.
Hoje, sem os ruídos das palavras doces, posso captar a mensagem por detrás das falas.
Hoje, com os sentidos aguçados, experimento o gosto amargo e doce da verdade escondida e me reinvento.
Hoje sou paradoxo.
Sou misto de alívio e dor.

domingo, 4 de abril de 2010

sem brilho


Ela que nunca teve a predileção doce pelos vitimizados, amanhece em choque.
Acorda mais um dia com aquele pensamento intruso que insiste em a colocar em situação indigna.
Nunca quis merecer a  pena alheia e agora está pasma: experimenta a nada agradável sensação de auto piedade.
Em seu íntimo, espera ansiosamente que os outros lhe olhem com olhos de comiseração e lhe ofereçam o colo que se oferece aos esquecidos pela vida.
Sim, ela morre de pena de sim mesma. Considera-se hoje, injuriada pelo mundo.
Passa seus dias ruminando, numa incansável procura pelas lacunas que por ventura tenha deixado e que expliquem sua falta de sucesso em seus propósitos.
Refaz em pensamento os trajetos que percorreu por escolha e com empenho.
Recorda os caminhos traçados adorável e credulamente cujas metas eram boas, em essência.
No meio do dia, revê como que numa reprise dum filme clássico, as situações e circunstâncias em que optou pelo outro, em que se colocou em milésimo plano, com apenas a esperança de ser merecedora de alcançar o mérito do cuidado dedicado; apenas à espera de conhecer a reciprocidade autêntica daqueles por quem tem tanto afeto.
Vive agora em meio a um turbilhão de sentimentos e sensações ruins. Mistura-se às tristezas, revoltas e mesmo às culpas pelo fracasso pessoal que estampa no peito e parece lhe deixar o corpo sem forças.
Na verdade, só queria não carregar na alma os estigmas de não encontrar o reconhecimento pela sua dedicação.
Só ambiciona sentir-se amparada e acolhida pelos braços do amor que tanto precisa e procura.
E nessa busca por seus erros e acertos, quase se convence de que merece compaixão pela sua melancolia que se arrasta pelos dias.
Mas reconhece que em meio a seus anseios de acalmar os humores, muito já se equivocou nos desejos e nos atos.
Revolta consigo mesma, mas se perdoa ao se lembrar de que mundo também erra.
Conforta-se pensando que um caminho solitário é sempre mais cheio de espinhos, ou simplesmente tem desafios que parecem mais ferozes.
Sim, seu coração sente que faz jus à clemência.
Numa última tentativa, roga aos céus, com uma fé que muitas vezes deixou guardada em silêncio. Suplica que a realidade tenha novas cores.
Mas nada. O mundo continua ileso, como se o cosmos não fosse capaz de nutrir por ela a mesma dedicação e carinho.
Procura não mais pensar.
Abafa seu pranto e sente que não tem mais escolhas.
Só lhe resta seguir em frente.
Sem brilho.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

ideologia pura

vida
Desejo a superficialidade.
Quero pairar pelo raso da vida sem convicções ou ideias eternas.
Desejo ter apagada essa chama apaixonada pelo que creio. Não quero mais crer em nada.
Quero o desapego das coisas internas.
Quero me tornar a mais pragmática das materialistas.
Quero ter a ambição pequeno burguesa a coordenar meus passos e as velhas convenções do mundo a me confortar as frustrações e fracassos íntimos.
Quero apagar de vez os desejos que me possam causar esses fracassos.
Quero deixar sucumbir à realidade feroz as pequenas causas pelas quais luto, desde sempre, e assumir como meu o sonho maior o protótipo de vida do lugar comum, cujas expectativas são a roupa da moda, o relacionamento padrão e as conversas perdidas nos eventos mais elegantes e influentes da sociedade.
Quero como compromisso diário assistir o Jornal Nacional e acreditar em suas verdades, acompanhando a cotação da bolsa de valores de Nova Iorque e me apavorando com todas as novas epidemias e até mesmo pandemias do momento.
Quero assistir todos os filmes de Hollywood e ter certeza de que no fim das contas nossa falta de humanidade não é defeito tão grave quanto nossa falta de estilo.
Quero me vestir de acordo com as dicas da Glorinha Kalil, ter o penteado liso ou crespo das mocinhas da novela e viver um romance cuja trilha sonora seja a música da que se repete incansavelmente nos carros pelas ruas, que hoje pode ser tocada por uma banda de rapazes emo cantando uma paixão adolescente e amanhã uma dupla sertaneja que fale de traição e de amor como sinônimos.
Quero passar minha vida correndo de um emprego para outro, vestindo a camisa da empresa e tendo a certeza de que o ideal de sucesso é um tailleur de grife e convites para eventos em que ninguém se suporta, mas que todos fazem questão de aparecer juntos na foto oficial, com sorrisos poderosos que escondem os medos e desejos genuínos que por ventura ainda brotem na alma.
Quero ter um casamento longo e duradouro cuja foto da sala recorde o comercial da margarina e esconda bem, assim como meu discurso e meu sorriso ensaiado, os arrependimentos e medos que não me permitiram viver o que eu quis de verdade por exigir de mim coragem e atitudes que muitos não aprovariam ou seriam capazes de apoiar. E que por medo do mundo não enfrentei e guardei para mim.
Quero envelhecer acreditando que aos 60 anos estarei na melhor idade da vida independente da vida que eu tenha levado e do que eu tenha construído e desejado, mesmo sem perceber, pelo caminho.
Quero encerrar minha história tendo a certeza de que valeu a pena não ter questionado o mundo e feito tudo aquilo um dia me mostraram que precisava ser feito, sendo criativa e inovadora apenas quando fosse realmente necessário e previsto.
Quero morrer, enfim, duma dessas enfermidades cuja medicina terá feito de tudo para curar, me revirando inteira e me causando mais dores que a própria doença, mas que me fez mártir no fim da minha jornada.
Sim, eu queria uma vida mais fácil, confesso.
Mas não. Essa não será minha trajetória.
Pois no peito trago comigo uma paixão desesperada pelas minhas verdades e meus anseios que nascem autênticos, confusos e intensos. Tão meus. E pelos quais travo batalhas infindáveis e silenciosas.
Sigo pelo mundo entre amores eternos e irremediáveis.
Aproximo-me do que é mundo sem nunca me esquecer do que sou eu. Trabalhando conforme creio ser correto sem, contudo, ter ambições capitalistas. Conversando com meio mundo, mas tendo por perto apenas quem preciso para poder respirar. Cumprindo os compromissos sem que eles se tornem meus donos e me envolvendo apaixonadamente com quem me faz sentir viva.
Vou jogando dados com a vida - acertando e errando. E pode ser que no fim da minha história eu tenha vivido encantadoramente, estereotipadamente ou não, mas por opção. Talvez tenha permanecido sozinha ou tenha tido um amor de televisão e venha a ter uma velhice que pareça realmente ‘a melhor idade’.
Mas quando eu for embora dessa Terra ‘de morte matada ou morrida’, com muito sofrimento ou nenhum, não importa, não serei mártir, nem tampouco terei vendido as necessidades mais minhas.
Talvez simplesmente morra de ideologia fulminante.

sábado, 20 de março de 2010

me leve sem volta

Quando vier me buscar.
Venha sem pressa.
Se vista com calma.
Se faça atraente.
Quando vier me buscar.
Lembre se de deixar em casa as máscaras.
Te quero em sua verdade.
Te espero em carne viva.
Quando vier me buscar.
Me colora o espaço.
Me olhe nos olhos.
Me capte as angústias.
Me permita o pavor.
E me adoce com sua serenidade.
Quando vier me buscar.
Me ofusque o que do mundo não for meu.
Traga seu brilho e ilumine.
Me abafe os gritos do peito.
Me estanque o sangramento da alma.
Quando vier me buscar.
Me envolva em sua força.
E me leve sem volta.
Sem choro.
Sem medo.

sábado, 6 de março de 2010

com seus mistérios


Ela tem os passos curtos como duma criança e a respiração ofegante dum sedentário.
Seu coração parece ter pressa e seus pensamentos têm medo.
Vive a rotina dos dias e se mistura aos demais como se não guardasse um grande segredo.
Como se as olheiras que ostenta fossem fruto apenas do cansaço dos dias.
Do cansaço nobre da correria por horários e da busca daquelas metas coloridas das propagandas de TV.
Exibe um sorriso triste em resposta aos cumprimentos que recebe pelo caminho.
Procura ser doce.
Não pretende ser o foco do mundo e nem quer deixar que sejam vistas suas chagas.
Não deseja estampar na face do outro uma dor que é só sua.
Permanece só, correndo dum lado pra outro, com sacolas e papéis.
Vai cumprindo o estereótipo do cidadão acima de qualquer suspeita.
Que corre, trabalha e deseja como todos.
Só que agora seus caminhos são mais tortuosos e não tem mais o tempo como seu cúmplice.
Ele não mais aplaca suas feridas e não gera apenas lembranças depois de passada a tempestade.
O tempo é agora combustível, não apazigua - incita.
Não refreia mais suas lágrimas.
Ele agora as desperta e as atiça, como o vento que faz da brasa o fogo.
E estando com o peito em chamas só consegue fugir de si mesma quando se esconde.
Se refugia no silêncio do dia com o aval do mundo para estar ausente.
E chora.
Já sabe sem erros o percurso que seguirá em seguida. Mas ainda teme.
Sabe que guardará consigo seus mistérios e não deixa rastros.
E passando se os dias, segue personificando seu ideal inquestionável, disfarçando a apatia, assumindo pseudo projetos de vida e sufocando seu pranto.
Anseia pelo dia que não precise mais lutar contra sua vontade mais íntima e que possa libertar sua alma, já cansada do longo cárcere.
Ainda segue, mas com a única esperança de logo partir.

terça-feira, 2 de março de 2010

falta


Hoje me faltou o ar.
E me sobraram sombras.
Hoje me faltaram historias.
E me sobraram trechos.
Hoje me faltou a verdade.
E me sobraram versões.
Hoje me faltaram os atos.
E me sobraram intenções.
Hoje me faltou coragem.
E me sobraram planos.
Hoje me faltou vontade.
E me sobraram horários.
Hoje me faltaram os passos.
E me sobrou o caminho.
Hoje me faltou seu cheiro.
E me sobrou saudade.
Hoje me faltou você.
E me sobraram estranhos.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

numa noite




Caem as primeiras gotas de chuva.
Era noite e nada mais povoava a rua além de seus pensamentos.
Sentado na porta de casa olhava o tempo como se visse uma grande tela de cinema.
Mas sabia que chegara tarde.
Chegara na última exibição daquela velha história.
Já não tinha a mesma graça.
Arrastava poucos olhares curiosos.
Seus olhos, contudo, continuavam fixos.
Não perderia um detalhe sequer dessa trajetória, não dessa vez.
Queria sorver dela cada segundo de vida, cada sorriso, cada saudade.
Ansiava, ainda que sendo agora apenas mero expectador, sentir aquele fervor que não mais carregava no peito. Que hoje é frio como as gotas que lhe beijavam  a fronte.
Enxergava rostos e gestos.
Esboçava um sorriso no canto dos lábios, meio tímido, meio triste.
Quase conseguia sentir no colo o toque daquele abraço de reencontro ou daquele que viria a ser o último, mas que naquele tempo ainda não se sabia.
Não segurava as lágrimas ao perceber as comoções causadas por tantas dores desnecessárias, pelos medos, desejos e toda a qualidade de excessos de afetos levados tantas vezes ás consequencias máximas de suas escolhas.
Deixava escapar, estranhamente, pequenas gargalhadas pelas gafes singelas, pelos tombos que deixaram marcas e também geraram sustos e bochecas avermelhadas.
Sentiu uma saudade suave, um carinho verdadeiro ao enxergar toda sua história vista assim lentamente, por um belo foco.
Apenas por seus olhos. Pela última vez.
Entre suspiros e lembranças esfrega os olhos, como se tentasse enxergar melhor o mundo que o cerca. Levanta-se e se põe a andar deixando escorrer pela pele a tempestade que inspirava a sensação de fim dos tempos.
Segue pelas ruas, agora já não era mais alguém.
Já se transformara em história.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

presença

Entorpecida pelo teu silêncio, espero.
Entre fantasias de amor e promessas de afeto, delírios povoam as lacunas deixadas pelo meu dia.
Sinto seu cheiro num pedaço velho de papel que sequer pode ser chamado de carta ou bilhete.
Mas que guarda um pouco de você - com suas letras, seus  rabiscos.
Cheio de rastros dum dia qualquer.
Sinto seu calor em minha pele como se me incendiasse a alma e me atravessasse os sentidos, mas é apenas lembranças.
Do seu toque, do seu carinho, da força dos teus braços quando me envolvem.
Sinto o gosto do seu beijo, que sela os sentimentos calados e as juras veladas.
Olho fixamente em seus olhos como se pudesse lhe decifrar os mistérios mais íntimos.
Temo pelas respostas dúbias que possa encontrar pelo caminho.
Ainda assim, num gozo súbito, percebo o que tanto desejo.
Sinto você ao meu lado.
Simplesmente por ouvir a sua voz.
Perdida.
De surpresa, no meio duma noite como tantas.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

meu lugar no mundo

O colo do meu bem combina com pôr-do-sol duma tarde de verão.
Com noite de lua cheia.
Com brisa acarinhando suavemente a pele.
O colo do meu bem me acolhe de forma singela.
Me encaixa sem esforço.
Me aceita com doçura.
O colo do meu bem tem jeito de 'meu lugar no mundo'.
Me acalma os suspiros.
Me aquieta os devaneios.
O colo do meu bem me faz querer que o mundo pare seu giro.
Me desperta desejos de vida.
Me permite fantasias.
Me realiza os mais simples sonhos.
O colo do meu bem tem um quê de porto seguro.
Onde me perco e me encontro.
Onde me misturo calmamente ao seu calor e sorrio.
O colo do meu bem me faz valer as noites em claro.
Os dias de espera.
Os medos calados.
O colo do meu bem me faz sentir a beleza do encontro.
Em silêncio.
Sem promessas.
O colo do meu bem é manifestação divina.
Me faz querer morrer em êxtase de vida.
E ser alguém melhor a cada dia.


terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

fuga





Tenho criado personagens como tantos. Como sempre.
Personagens que por mim vivem, sobrevivem e representam.
São fortes. Têm coragem, olham por cima e brilham.
Não se entregam e nada sentem.
Seguem horários, são dispostos.
Muito sabem e ainda assim não sofrem.
Deixam correr soltas as palavras.
Nada temem. Se permitem voar.
Mas o tempo passa e completam se os ciclos.
Os cenários e as cores não são mais os mesmos.
E feito o drama, a comédia ou a tragédia.
O espetáculo se encerra.
Fecham-se as cortinas.
Surgem os aplausos - espaçados e convenientes.
Escorrem as lágrimas - sinceras e impotentes.
As luzes são acesas.
Recomeço em meio ao silêncio e à confusão.
E eu, sei que sou apenas parte de mim.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

saudade




A madrugada lhe traz a sensação de "presença da ausência" como se fizesse parte duma crônica de Rubem Alves.
Sente a presença dos afetos e sonhos que partiram cedo cedendo seus espaços à realidade e às emergências da vida.
Sente o cheiro do perfume que um dia jurou que lhe acompanharia por todo seu caminho.
Chega a enxergar o próprio caminho, que pelas escolhas e obstáculos, acabou por tanto tempo guardado, meio esquecido.
O gosto da alegria efervescente das possibilidades de vida invadem por um instante seu corpo - se deixa entregue.
Pensamentos lhe povoam a mente mas não conseguem lhe acalentar a alma.
Sente saudades. Sem tristeza ou grandes lembranças - apenas saudades.
Do mundo que não mais reconhece.
De si mesmo que não mais encontra no espelho.



quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

despedida

Ela acorda pela manhã com aquele sorriso amarelo de quem foi enganada por Cronos. Já é novo dia.
Ainda deitada ouve a cidade. Os ruídos da rua lhe confundem as idéias; se misturam aos pensamentos que ainda parecem adormecidos - cheios de fantasias e restos de tantos outros dias.  
 Levanta da cama após sua prece matinal. Não. Não pede pela paz do mundo, pelos desabrigados, pelas família ou por seus amores platônicos. Pede para que o sol esteja preguiçoso e quem sabe? Para que o meteorologista (cujas previsões andam menos confiáveis que as do astrólogo da revista de fofoca) tenha tido a sorte grande de acertar a posição daquela frente fria.
_ Ahh! Nada como um dia entre nuvens... suspira.
Mas o dia está claro, ensolarado e feliz.
Da janela do quarto vê o mundo agitado  e o congela em pensamento. Muda suas cores, os cheiros, sua forma. Enxerga esse mundo com seus olhos cinza e o colore a seu gosto, com tamanha intensidade como se dele nem mais fizesse parte. Como espectadora o coordena.
Ao assistir o tempo, constrói um universo sem pressa. Abafa os barulhos. Delega aos que passam um trajeto alternativo e motivos singulares. Troca a corrida pelo horário pela expectativa de encontrar quem se ama. Afirma que as caras feias do mundo são apenas caretas.
O telefone toca e a realidade lhe grita. 
No fundo sabe que segue só.
No peito, traz consigo a melancolia do caminhar solitário e um pouco de tormento. 
E ainda assim a leveza de poder partir.
Suspira pela última vez. 
Deixa escorrer dos olhos uma única lágrima e se sente livre por estar alheia.


domingo, 3 de janeiro de 2010

autocentrada


Não suporto o silêncio e o barulho me incomoda.
Gosto dos sons - de gotas de chuva, de música em sintonia com meu humor e risada de criança que ainda não saiba falar.
Gosto do azul. Não no céu, que fica mais belo cinza e embaçado.
Gosto da lua. Mas a troco facilmente por uma noite rosada véspera de manhã gelada que já começa com cara de "preciso de mais cinco minutinhos!"
Gosto de cheiro - de manhã de inverno, de comida de mãe e da pele de quem amo.
Gosto de gente divertida e melancólica, que aprecie falar e calar e que saiba se mostrar pelos olhos.
Gosto  do sombrio e da noite enigmática. Mas também me agradam as cores, em tantos momentos eu seria facilmente confundida com um escandaloso corte de chita ou um delicado arco-íris.
Gosto de piadas, em especial as minhas, das quais sou público fiel e muitas vezes solitário.
Gosto de carinho...
Gosto de sorrisos...
Gosto de sutilezas...
Vivo num mundinho só meu - quase esquizofrenizante - entre o caos e a alegria. Tenho olhos molhados e trêmulos em luta eterna com um sorriso insistente.
Falo sozinha.
Canto sozinha.
Sonho sozinha.
Tenho milhões de paixões, saudades e desejos.
E infinitas dúvidas que me impulsionam os pés.
E uma única grande certeza que me paralisa.