quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

saudade




A madrugada lhe traz a sensação de "presença da ausência" como se fizesse parte duma crônica de Rubem Alves.
Sente a presença dos afetos e sonhos que partiram cedo cedendo seus espaços à realidade e às emergências da vida.
Sente o cheiro do perfume que um dia jurou que lhe acompanharia por todo seu caminho.
Chega a enxergar o próprio caminho, que pelas escolhas e obstáculos, acabou por tanto tempo guardado, meio esquecido.
O gosto da alegria efervescente das possibilidades de vida invadem por um instante seu corpo - se deixa entregue.
Pensamentos lhe povoam a mente mas não conseguem lhe acalentar a alma.
Sente saudades. Sem tristeza ou grandes lembranças - apenas saudades.
Do mundo que não mais reconhece.
De si mesmo que não mais encontra no espelho.



quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

despedida

Ela acorda pela manhã com aquele sorriso amarelo de quem foi enganada por Cronos. Já é novo dia.
Ainda deitada ouve a cidade. Os ruídos da rua lhe confundem as idéias; se misturam aos pensamentos que ainda parecem adormecidos - cheios de fantasias e restos de tantos outros dias.  
 Levanta da cama após sua prece matinal. Não. Não pede pela paz do mundo, pelos desabrigados, pelas família ou por seus amores platônicos. Pede para que o sol esteja preguiçoso e quem sabe? Para que o meteorologista (cujas previsões andam menos confiáveis que as do astrólogo da revista de fofoca) tenha tido a sorte grande de acertar a posição daquela frente fria.
_ Ahh! Nada como um dia entre nuvens... suspira.
Mas o dia está claro, ensolarado e feliz.
Da janela do quarto vê o mundo agitado  e o congela em pensamento. Muda suas cores, os cheiros, sua forma. Enxerga esse mundo com seus olhos cinza e o colore a seu gosto, com tamanha intensidade como se dele nem mais fizesse parte. Como espectadora o coordena.
Ao assistir o tempo, constrói um universo sem pressa. Abafa os barulhos. Delega aos que passam um trajeto alternativo e motivos singulares. Troca a corrida pelo horário pela expectativa de encontrar quem se ama. Afirma que as caras feias do mundo são apenas caretas.
O telefone toca e a realidade lhe grita. 
No fundo sabe que segue só.
No peito, traz consigo a melancolia do caminhar solitário e um pouco de tormento. 
E ainda assim a leveza de poder partir.
Suspira pela última vez. 
Deixa escorrer dos olhos uma única lágrima e se sente livre por estar alheia.


domingo, 3 de janeiro de 2010

autocentrada


Não suporto o silêncio e o barulho me incomoda.
Gosto dos sons - de gotas de chuva, de música em sintonia com meu humor e risada de criança que ainda não saiba falar.
Gosto do azul. Não no céu, que fica mais belo cinza e embaçado.
Gosto da lua. Mas a troco facilmente por uma noite rosada véspera de manhã gelada que já começa com cara de "preciso de mais cinco minutinhos!"
Gosto de cheiro - de manhã de inverno, de comida de mãe e da pele de quem amo.
Gosto de gente divertida e melancólica, que aprecie falar e calar e que saiba se mostrar pelos olhos.
Gosto  do sombrio e da noite enigmática. Mas também me agradam as cores, em tantos momentos eu seria facilmente confundida com um escandaloso corte de chita ou um delicado arco-íris.
Gosto de piadas, em especial as minhas, das quais sou público fiel e muitas vezes solitário.
Gosto de carinho...
Gosto de sorrisos...
Gosto de sutilezas...
Vivo num mundinho só meu - quase esquizofrenizante - entre o caos e a alegria. Tenho olhos molhados e trêmulos em luta eterna com um sorriso insistente.
Falo sozinha.
Canto sozinha.
Sonho sozinha.
Tenho milhões de paixões, saudades e desejos.
E infinitas dúvidas que me impulsionam os pés.
E uma única grande certeza que me paralisa.