sábado, 20 de março de 2010

me leve sem volta

Quando vier me buscar.
Venha sem pressa.
Se vista com calma.
Se faça atraente.
Quando vier me buscar.
Lembre se de deixar em casa as máscaras.
Te quero em sua verdade.
Te espero em carne viva.
Quando vier me buscar.
Me colora o espaço.
Me olhe nos olhos.
Me capte as angústias.
Me permita o pavor.
E me adoce com sua serenidade.
Quando vier me buscar.
Me ofusque o que do mundo não for meu.
Traga seu brilho e ilumine.
Me abafe os gritos do peito.
Me estanque o sangramento da alma.
Quando vier me buscar.
Me envolva em sua força.
E me leve sem volta.
Sem choro.
Sem medo.

sábado, 6 de março de 2010

com seus mistérios


Ela tem os passos curtos como duma criança e a respiração ofegante dum sedentário.
Seu coração parece ter pressa e seus pensamentos têm medo.
Vive a rotina dos dias e se mistura aos demais como se não guardasse um grande segredo.
Como se as olheiras que ostenta fossem fruto apenas do cansaço dos dias.
Do cansaço nobre da correria por horários e da busca daquelas metas coloridas das propagandas de TV.
Exibe um sorriso triste em resposta aos cumprimentos que recebe pelo caminho.
Procura ser doce.
Não pretende ser o foco do mundo e nem quer deixar que sejam vistas suas chagas.
Não deseja estampar na face do outro uma dor que é só sua.
Permanece só, correndo dum lado pra outro, com sacolas e papéis.
Vai cumprindo o estereótipo do cidadão acima de qualquer suspeita.
Que corre, trabalha e deseja como todos.
Só que agora seus caminhos são mais tortuosos e não tem mais o tempo como seu cúmplice.
Ele não mais aplaca suas feridas e não gera apenas lembranças depois de passada a tempestade.
O tempo é agora combustível, não apazigua - incita.
Não refreia mais suas lágrimas.
Ele agora as desperta e as atiça, como o vento que faz da brasa o fogo.
E estando com o peito em chamas só consegue fugir de si mesma quando se esconde.
Se refugia no silêncio do dia com o aval do mundo para estar ausente.
E chora.
Já sabe sem erros o percurso que seguirá em seguida. Mas ainda teme.
Sabe que guardará consigo seus mistérios e não deixa rastros.
E passando se os dias, segue personificando seu ideal inquestionável, disfarçando a apatia, assumindo pseudo projetos de vida e sufocando seu pranto.
Anseia pelo dia que não precise mais lutar contra sua vontade mais íntima e que possa libertar sua alma, já cansada do longo cárcere.
Ainda segue, mas com a única esperança de logo partir.

terça-feira, 2 de março de 2010

falta


Hoje me faltou o ar.
E me sobraram sombras.
Hoje me faltaram historias.
E me sobraram trechos.
Hoje me faltou a verdade.
E me sobraram versões.
Hoje me faltaram os atos.
E me sobraram intenções.
Hoje me faltou coragem.
E me sobraram planos.
Hoje me faltou vontade.
E me sobraram horários.
Hoje me faltaram os passos.
E me sobrou o caminho.
Hoje me faltou seu cheiro.
E me sobrou saudade.
Hoje me faltou você.
E me sobraram estranhos.