quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

numa noite




Caem as primeiras gotas de chuva.
Era noite e nada mais povoava a rua além de seus pensamentos.
Sentado na porta de casa olhava o tempo como se visse uma grande tela de cinema.
Mas sabia que chegara tarde.
Chegara na última exibição daquela velha história.
Já não tinha a mesma graça.
Arrastava poucos olhares curiosos.
Seus olhos, contudo, continuavam fixos.
Não perderia um detalhe sequer dessa trajetória, não dessa vez.
Queria sorver dela cada segundo de vida, cada sorriso, cada saudade.
Ansiava, ainda que sendo agora apenas mero expectador, sentir aquele fervor que não mais carregava no peito. Que hoje é frio como as gotas que lhe beijavam  a fronte.
Enxergava rostos e gestos.
Esboçava um sorriso no canto dos lábios, meio tímido, meio triste.
Quase conseguia sentir no colo o toque daquele abraço de reencontro ou daquele que viria a ser o último, mas que naquele tempo ainda não se sabia.
Não segurava as lágrimas ao perceber as comoções causadas por tantas dores desnecessárias, pelos medos, desejos e toda a qualidade de excessos de afetos levados tantas vezes ás consequencias máximas de suas escolhas.
Deixava escapar, estranhamente, pequenas gargalhadas pelas gafes singelas, pelos tombos que deixaram marcas e também geraram sustos e bochecas avermelhadas.
Sentiu uma saudade suave, um carinho verdadeiro ao enxergar toda sua história vista assim lentamente, por um belo foco.
Apenas por seus olhos. Pela última vez.
Entre suspiros e lembranças esfrega os olhos, como se tentasse enxergar melhor o mundo que o cerca. Levanta-se e se põe a andar deixando escorrer pela pele a tempestade que inspirava a sensação de fim dos tempos.
Segue pelas ruas, agora já não era mais alguém.
Já se transformara em história.

Um comentário:

  1. Perfeita descrição dos teus a-fetos. Pena que triste ao extremo! Todo extremo parece bem triste, na verdade...

    ResponderExcluir